Amamentar é, ao mesmo tempo, algo natural e incrivelmente desafiador. Essa dualidade costuma surpreender muita gente. A imagem romantizada de uma mãe e seu bebê unidos por um gesto tão íntimo contrasta profundamente com cenas comuns e dolorosas: mulheres exaustas, segurando o choro enquanto enfrentam a dor para alimentar seus filhos. Ninguém avisa explicitamente, mas amamentar pode machucar. Muito. E quando isso acontece, muitas mães são deixadas à própria sorte, sentindo-se inadequadas por algo que deveria ser instintivo.
Afinal, por que tanto silêncio sobre um tema tão comum? Parte do problema vem da romantização da maternidade e da forte ideia cultural de que todas as mulheres devem ser capazes de amamentar sem grandes dificuldades – como se fosse quase automático. Há uma pressão implícita (e muitas vezes explícita) para “dar conta”, mesmo quando o corpo grita por alívio ou quando as informações disponíveis são insuficientes, confusas ou contraditórias. Neste texto, vamos abrir de vez essa conversa. Não dá mais para tratar a dor na amamentação como algo “normal”.
Por que a dor na amamentação é tão comum?
Sentir dor ao iniciar a amamentação não deveria ser encarado como algo inevitável, mas acontece com tantas mulheres que parece até parte do “pacote” da maternidade. A grande verdade? A dor é comum porque há uma cadeia de dificuldades pouco debatidas ao longo dos primeiros dias e semanas de amamentação. E boa parte dessas dificuldades poderia ser evitada ou atenuada com as orientações certas.
O início do processo pode ser mais abrupto do que esperado. Poucas mulheres têm uma preparação real para os primeiros dias após o parto, quando os seios começam a responder à demanda do bebê enquanto ainda estão se adaptando à produção de leite. É nesse período que surgem muitas das dores iniciais – fissuras nos mamilos, ingurgitamento ou até mastite – alimentadas pela falta de ajustes simples no posicionamento ou na pega do bebê.
Um detalhe importante: os profissionais que cuidam do atendimento pós-parto nem sempre estão preparados para oferecer às mães a orientação personalizada que elas realmente precisam. Frases como “isso passa”, “no começo dói mesmo” ou “continue insistindo” são ouvidas com frequência e podem prolongar o sofrimento da lactante. Vale lembrar que cada mãe e cada bebê trazem condições únicas – o que funciona para um pode ser totalmente ineficaz (ou até prejudicial) para outro.
Além disso, não podemos ignorar o peso emocional por trás desse desconforto físico: a mãe está geralmente lidando com privação de sono, hormônios desalinhados e uma montanha de expectativas culturais ao mesmo tempo.
Fissuras nos mamilos: uma dor evitável
Falar sobre fissuras nos mamilos pode causar arrepio em muitas mães – mesmo aquelas que já deixaram a fase da amamentação para trás. Essa é uma das dores mais comentadas pelas mães, especialmente nas primeiras semanas. Mas vamos ser honestos aqui: a maioria das fissuras poderia ser evitada se houvesse uma orientação mais clara sobre pega correta e cuidados básicos logo no início.
Uma das principais causas das fissuras é o bebê estar pegando errado no peito. Pode parecer simples, mas posicionar o bebê corretamente demanda prática (e paciência). Muitas mulheres ainda escutam que precisam “ser fortes”, enquanto lidam com a dor de mamilos rachados, sangrando e sensíveis até ao toque da roupa.
Como evitar fissuras nos mamilos?
- O lábio inferior do bebê precisa estar voltado para fora durante a sucção, como se estivesse dobradinho.
- O mamilo deve ficar bem dentro da boca do bebê.
- A pega precisa envolver não só o mamilo, mas também uma boa parte da aréola.
Mesmo com essas orientações, é normal haver dúvidas nos primeiros dias – ninguém é perfeito logo de cara! Por isso, consultar um profissional especializado (como um consultor em aleitamento materno) pode fazer toda a diferença.
O que fazer quando as fissuras já apareceram?
Existem cremes específicos à base de lanolina que ajudam na cicatrização sem prejudicar o bebê durante a mamada. Deixar os seios descobertos sempre que possível ajuda na recuperação natural e alivia a sensação de ardência.
Pega incorreta: um problema universal
A “pega incorreta” pode parecer algo pequeno demais para causar tanto incômodo, mas é exatamente isso que o torna tão frequente, principalmente nas primeiras semanas depois do parto. Visualize a cena: a mãe, com o bebê nos braços, tenta acalmá-lo enquanto ele chora de fome. Segurando-o da maneira que lhe foi mostrada rapidamente no hospital, tenta posicioná-lo no seio antes que a paciência de ambos se esgote. Resultado? O bebê pega rápido – mas mal – dificultando sua alimentação e iniciando pequenas lesões no mamilo da mãe.
Assim como acontece com as fissuras, ajustar a pega leva tempo e ajuda técnica – algo que nem sempre está acessível às mães no momento certo.
Ingurgitamento mamário
O ingurgitamento mamário é um daqueles problemas que poucas mães veem chegando – até que acontece. De repente, os seios ficam cheios demais, duros como uma pedra, e a dor se torna uma companhia constante. Isso pode acontecer em várias fases da amamentação, mas tende a ser mais comum no começo, quando o corpo ainda está ajustando a produção de leite para atender às necessidades do bebê.
Como aliviar o ingurgitamento?
- Realize ordenha manual ou com bomba nos momentos de maior desconforto, apenas o suficiente para aliviar a pressão.
- Aplique compressas mornas antes da amamentação para ajudar o leite a fluir melhor.
- Use compressas frias após a amamentação para aliviar o inchaço.
Com apoio correto e pequenos ajustes na rotina, muitas mulheres conseguem superar essa fase.
Mastite: quando a dor requer atenção imediata
Às vezes, o ingurgitamento não tratado pode evoluir para algo mais sério: a temida mastite. Trata-se de uma inflamação potencialmente grave nos ductos mamários que causa dor intensa, febre e cansaço extremo. Estima-se que uma em cada dez mulheres que amamentam passa por isso em algum momento.
Se você notar sintomas como vermelhidão localizada no seio ou febre alta, procure ajuda médica imediatamente. Enquanto isso, o descanso e a ingestão frequente de líquidos são cruciais. Muitas mães hesitam em continuar amamentando durante a mastite, mas amamentar pode ser benéfico porque ajuda a desobstruir os ductos inflamados.
Freio lingual curto: um obstáculo invisível
Você sabia que algo tão pequeno quanto o freio lingual curto poderia ser responsável por tanta dor? Trata-se de uma condição em que o tecido fino na base da língua do bebê é mais curto do que deveria ser. O resultado? O bebê tem dificuldade em movimentar a língua adequadamente para sugar o leite de forma eficiente – o que pode causar dor à mãe e frustração ao bebê.
A solução costuma ser simples: dependendo da gravidade do caso, pode ser indicada uma pequena intervenção (a frenotomia), feita por um especialista. Esse procedimento rápido frequentemente gera alívio imediato para ambos.
Além da dor física: o impacto emocional
Há algo mais profundo acontecendo aqui: o impacto emocional da pressão social para amamentar “perfeitamente”. Para muitas mulheres, a amamentação já começa carregada de expectativas irreais – algumas impostas externamente por amigos, familiares e redes sociais; outras internalizadas pela própria mãe.
Frases como “Você precisa dar conta” ou “Amamentar é natural” podem parecer inofensivas, mas carregam uma mensagem implícita: se você sente dor ou dificuldade, está falhando de alguma forma. Isso não poderia estar mais longe da verdade.
Rompendo os tabus: amamentar precisa doer?
Chegamos ao momento decisivo. Depois de tudo isso, fica evidente que a dor na amamentação não deveria ser encarada como algo normal ou inevitável. Ela é um sinal de que algo precisa ser ajustado – seja na técnica, no suporte oferecido à mãe ou na forma como enxergamos esse processo.
Romper com esse tabu significa abrir espaço para conversas honestas e acolhedoras sobre os desafios da amamentação. Significa dar às mães ferramentas reais para superar dificuldades sem julgamentos ou romantizações excessivas.
Amamentar não deve ser sinônimo de sofrimento. Deve ser sobre conexão – com o bebê e consigo mesma.
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Este conteúdo possui caráter informativo e educativo, e não substitui uma consulta médica ou diagnóstico realizado por um profissional de saúde habilitado. Para avaliação individualizada e orientações específicas, consulte sempre um médico.
Dra. Sara Koefender Castro
Médica de Família e Comunidade
CRM/RS 39979 RQE 32341
Uma resposta para “Amamentação e Dor: Principais Causas e Soluções Eficazes”
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